O complexo das lagoas de Sombrio e do Caverá se estende por sete municípios do extremo sul de Santa Catarina. A lagoa de Sombrio, de importância histórica, por muito tempo, foi utilizada como caminho de embarcações entre diversos povoados e a atual cidade de Torres. Ela também foi considerada a maior lagoa de água doce do território catarinense, o que, como veremos adiante, talvez não possa mais ser afirmado.
Na década de 1960 o formato natural do complexo lagunar foi brutalmente alterado. Havia o interesse em explorar turfa na cabeceira norte da lagoa do Caverá. Então foi desativado o rio Caverá, ligação natural entre as duas lagoas, através da construção de um canal retilíneo chamado de DNOS, e foi criado outro longo canal retilíneo entre a lagoa de Sombrio e o rio Mampituba para que a água escorresse mais facilmente para o oceano Atlântico, baixando a lâmina de água e dando melhor acesso a turfa. Isto desequilibrou o ecossistema.
A profundidade média da lagoa de Sombrio que já foi de 2,90 m, constantemente reduz, e hoje encontra-se em 90 cm. Se atravessa boa parte desta lagoa a pé. Ela perdeu área de forma gritante, o que é claramente perceptível por fotos de satélite. E seu volume de água que já foi de 156.600.000 m³ caiu vertiginosamente para 46.944.000m³. A lagoa vem morrendo aos olhos da população. A lâmina de água está tão baixa que a água salgada do oceano tem entrado através do rio Mampituba e do canal adjacente, chamado de canal da Barrinha.
Para piorar a situação, na década de 1970, em auxílio à pecuária, a braquiária – uma planta exótica – acabou sendo introduzida no complexo lagunar. Ano após ano ela avança rapidamente esmagando grandes áreas da lagoa de Sombrio, o que prontamente é notado pela população.
Longas discussões
Por muito tempo a recuperação das lagoas de Sombrio e do Caverá foi tema de discursos políticos. Como a questão não se resolvia, elas foram sendo deixadas de lado em direção as sombras. Porém, algumas lideranças da região mantiveram-se atentas. No mês de dezembro de 2014, a ONG Aguapé de proteção ambiental provocou a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, que realizou uma audiência pública no salão da Igreja Matriz na cidade de Sombrio. Participaram deputados estaduais, o prefeito de Sombrio Zênio Cardoso, vereadores de vários municípios, representantes do Ministério Público, o juiz Fernando Cordiolli, e uma grande quantidade de pessoas. Ficou decidido levar a questão à Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa em Florianópolis, para que o Governo do Estado tomasse propriedade da mesma.
Na Comissão, já em 2015, as falas das autoridades e lideranças do extremo sul para os deputados deixaram claro que havia estudos, mas não recursos financeiros para execução de ações de recuperação das lagoas. Se retornou à região. Em uma reunião na prefeitura de Sombrio com a presença de grande quantidade de entidades e pessoas ligadas a questão ambiental foram unificados os estudos e se definiu que as prioridades seriam a devolução das ligações do complexo aos seus leitos normais e a retirada das braquiárias. Em meados de 2015, em nova reunião da Comissão de Turismo e Meio Ambiente, agora com a presença de vários prefeitos, vereadores e lideranças, a unificação dos estudos foi entregue ao recém empossado presidente da FATMA Alexandre Waltrick, sob forte indicativo de que se encontrariam meios para salvar as lagoas. A partir deste momento, o vereador Marcello Areão (PT) e o então presidente da ONG Aguapé Edimilson Colares fizeram uma longa peregrinação na FATMA em Tubarão e Florianópolis na busca por obter um projeto executivo para recuperação do complexo lagunar. Até que, já em meados de 2016, o presidente do órgão Alexandre disse que a FATMA não elabora projeto executivo, mas apenas avalia projetos já existentes no intuito de conceder licenciamento ambiental. Desolação. Esta última caminhada, que aparentemente daria resultados, caiu por terra.
Nova tentativa
Mas não há outro caminho a não ser continuar na luta. Em 2017, autoridades e lideranças do extremo sul estabeleceram conversas com o Secretário Estadual de Planejamento Murilo Flores que afirmava que a FATMA possuía recursos para salvar as lagoas. Contudo, novamente batendo na porta deste órgão, seu presidente Alexandre disse que já havia outras ações de recuperação de áreas em andamento no território catarinense e que as lagoas teriam que entrar em uma longa fila de espera. Entre 2017 e 2019, por solicitação da ONG Aguapé, alguns deputados enviaram requerimentos ao Governo do Estado para saber sobre os recursos financeiros provenientes de compensações por empreendimentos da iniciativa privada que acabam tencionando a natureza.
A resposta da Casa Civil do Governo do Estado foi que as compensações não se dão por meio de recursos financeiros, mas sim pela obrigação da recuperação de áreas de Santa Catarina. Ainda em 2017, em nova audiência pública, agora nas dependências da Câmara Municipal de Sombrio, tentou-se organizar a sociedade civil e os Poderes Públicos municipais da região para fazerem a recuperação das lagoas. Não deslanchou.
Nada tem sensibilizado o Poder Público para priorizar a recuperação do complexo das lagoas de Sombrio e do Caverá, que ainda é uma enorme fonte de recursos hídricos e possui potencial de lazer e turístico. Vem se perdendo uma grande riqueza do estado de Santa Catarina. Em recente reunião da Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, no dia 13 de novembro de 2019, com a presença do vereador Marcello e do ativista Edimilson Colares, o novo presidente da comissão deputado Ivan Naatz (PV) e o deputado Fabiano da Luz (PT), entre outras deliberações, disseram que a preservação dos ecossistemas é dever do Estado e que será levada a questão ao Ministério Público Federal. Talvez, com o Poder Judiciário sendo acionado pelo presidente da Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, possamos deixar a velha canção sombriense apenas no campo do folclore: “A lagoa de Sombrio... A lagoa de Sombrio... Corre que desaparece ai, ai...”